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Um Morto Muito Louco - A que ponto chegamos

  • Foto do escritor: Dr. César Duarte
    Dr. César Duarte
  • 16 de ago. de 2021
  • 3 min de leitura

No ano de 1989, estreou o filme "Weekend at Bernie´s©" (20th Century Fox™), cujo título em Português acabou ficando "Um Morto Muito Louco". O filme foi um clássico da saudosa "Sessão da Tarde" - e digo saudosa porque, desde que atingi a vida adulta, não tive mais tempo para contemplá-la.


O filme narra a estória de dois amigos, Larry Wilson e Richard Parker, que se envolvem em uma trama relacionada a uma fraude de US$ 2 milhões, e que resulta no assassinato de seu chefe, Bernie Lomax. Larry e Richard encontram o corpo ao visitarem o chefe em sua casa de praia, mas, num primeiro momento, pensam que Lomax está dormindo. Logo que descobrem que ele está morto, alguns amigos de Lomax entram em cena, e Larry e Richard, temerosos ao aventar a hipótese de que as suspeitas do assassinato recaíssem sobre eles, fingem que o defunto bebeu muito, e está somente desacordado.


A partir disso, o filme se desenvolve com Larry e Richard levando o defunto para cima e para baixo, tentando dar vida ao cadáver vestindo-o bem, através da simulação de gestos e etc.


Todos aqueles que estudam o fenômeno do pensamento jurídico sabem que o modo de pensar moderno afastou-se enormemente do Direito. Para além, quem estuda o desenvolvimento histórico desse fenômeno e olha para as instituições atuais, mormente o Poder Judiciário e o Ministério Público, enxerga nitidamente que o Direito lá está morto.


Apesar de Lomax (o Direito) estar morto, Larry (o Poder Judiciário) e Wilson (o Ministério Público) vestem-no muito bem, e até conseguem simular alguns movimentos com os membros do falecido. O engodo é bem feito! Tão bem feito que grande parte da população olha para Lomax, Larry e Wilson e pensa: "mas que três grandes amigos bem apessoados! E como se dão bem!".


O problema, meus caros, é que Lomax está morto, e defunto, invariavelmente, começa a feder. Larry e Wilson chegam até a borrifar perfume francês na carne putrefata, mas chega um momento em que a fedentina toma conta do ambiente.


Um desses momentos ocorreu comigo semana passada, ao participar de uma audiência junto à 4ª Vara Criminal da Comarca de Sorocaba. A pretensa vítima relatou ter passado por vários psicólogos, e uma das testemunhas de acusação reafirmou esse dado, conseguindo, todavia, citar somente o primeiro nome de uma única profissional.


Com o interesse de desvendar a verdade, meu sócio e eu, ao final da demorada audiência, requeremos, com base no art. 402 do Código de Processo Penal, diligência, no sentido de se oficiar o Conselho Regional de Psicologia, a fim de que obtivéssemos uma lista de psicólogas atuantes em Sorocaba com aquele primeiro nome (era um nome atípico, frise-se).


O magistrado, de plano, pugnou pela desnecessidade, bem como pela impossibilidade de realização da diligência. A primeira alegação fora a de que existiriam muitas psicólogas com aquele nome, e a segunda fora a de que havia a questão do sigilo profissional. A defesa, então, sustentou que certamente não existiriam muitas psicólogas, em Sorocaba, com aquele nome, bem como que, quanto ao direito ao sigilo profissional, não existem direitos absolutos, mormente em relação a dados que não seriam novos àquele processo, pois, se a pretensa vítima dizia a verdade, a contribuição da psicóloga seria somente a de repisar aquilo já narrado pela suposta vítima no bojo do processo.


Eis que, então, o Ministério Público se pronuncia! Bastião da moralidade, Guardião das Leis, Promotor da Justiça que é, posiciona-se contrariamente ao pleito. Motivo? Bem, vamos lá... O motivo é que "O SIGILO PROFISSIONAL É UM DIREITO ABSOLUTO SIM".


Sabe aquela doutrina do José Afonso? Junte às obras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, de Celso Ribeiro Bastos, de Pinto Ferreira, de Cretella Junior, de Ives Gandra e de tantos outros expoentes e simplesmente JOGUE FORA! Aproveite para jogar fora também os cinco anos do curso de Direito, onde, já no primeiro ano, aprendemos e reaprendemos que "não existem direitos absolutos".


Jogue fora também o posicionamento do próprio Ministério Público, que vive a gritar, a pulmões cheios, que "não existem direitos absolutos" quando labora para validar as inúmeras invasões de domicílio cometidas arbitrariamente pelos Policiais Militares, que somente com informações de ligação anônima têm tido a chancela estatal para invadir residências sem qualquer revés.


Talvez eu tenha presenciado um momento único do Direito contemporâneo: o nascer de um brilhante doutrinador! Ou então eu tenha vivenciado somente o escancarar da realidade: por mais belas que sejam as roupas, por mais caros que sejam os perfumes, por mais movimentos que se façam com os membros necrosados, Lomax está morto, e já está fedendo faz tempo...


Ah, claro, só para constar: no caso que acabei de relatar, em que pese a fedentina insuportável já denunciar o defundo, Larry obviamente ajudou Wilson a fingir que Lomax está vivo.

 
 
 

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