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Julgamento por Equidade

  • Foto do escritor: Dr. César Duarte
    Dr. César Duarte
  • 18 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

A licença que os Juízos Privados têm de julgar sem se basearem nas leis.


Sempre que ouvimos falar em julgamentos, vem à nossa mente a aplicação das leis. Não é por menos: o sistema jurídico brasileiro é de origem romano-germânica, no qual as regras de Direito tendem a ser todas positivadas, ou seja, escritas em leis, códigos e constituições.

Contudo, a Lei 9.307/1996, que dispõe sobre o juízo privado no país, determinou, em seu artigo 2º, que a arbitragem pode ser “de direito ou de equidade, a critério das partes”. Ao dar essa possibilidade para as Câmaras Privadas de Justiça, o legislador autorizou ao juiz privado a concretização do Direito sem a necessidade de se amparar estritamente nas leis. Obviamente, a pergunta que fica é a seguinte: mas se não as leis, qual Direito será aplicado?


O instituto da equidade remonta a ideia grega antiga de justo. Para Aristóteles, por exemplo, o aplicador do Direito deveria sempre buscar justiça, sendo o justo o meio-termo entre dois extremos. Vamos exemplificar: o meio-termo entre a covardia e a intrepidez seria a virtude chamada coragem. Diante de um roubo a mão armada contra uma família, o pai de família seria covarde se fugisse, abandonando os seus familiares, e seria intrépido se avançasse no bandido, colocando em risco não só a sua vida, como as vidas dos seus. O justo seria ele agir com a calma e a coragem suficientes para colocar a salvo todas as vidas em questão, situação em que ele agiria, então, sob a virtude da coragem.


O julgador, dessa forma, tem como primeiro trabalho a missão filosófica de encontrar o meio termo entre os extremos, adotando esse conceito no lugar das leis. Por isso é importante, a todo aquele que deseja ter seu caso julgado por equidade, buscar juízes privados com competência jurídico-filosófica suficiente para realizar essa atividade.


Quer dizer então que as leis podem deixar de ser aplicadas em um julgamento realizado por um juiz privado, que é reconhecido pelo Estado como válido? Sim! E é a própria lei que o autoriza!


Contudo, temos que ter em mente a diferença entre não aplicar a lei e contrariá-la. Ao autorizar o juiz privado a julgar por equidade, o legislador não o está autorizando a proferir decisões contra legem (contrárias às leis), mas sim afirmando que é possível superar a norma escrita para se aplicar o Direito, se as partes assim se decidirem.


Todas as leis, invariavelmente, têm uma base única, que os jusnaturalistas chamam de jus natura, ou Direito Natural. Justiniano, em seu Digesto, cita Ulpiano, um romano que viveu no século III, e que conseguiu sintetizar a base do Direito em três preceitos: “viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu”. De fato, se observarmos todos os regramentos existentes, eles são, invariavelmente, baseados em um ou mais desses três preceitos.


Mas se as leis são baseadas nessas premissas universais, por que superá-las? O jusfilósofo Michel Villey comparou as leis a uma régua de metal rígido, que não consegue medir de maneira exata os contornos de um objeto que não seja plano. Por este motivo, ele defende a necessidade de o julgador tomar liberdades em relação ao texto da lei, adaptando-o às circunstâncias, levando-se em conta os princípios gerais do Direito e a causa em particular. A lei está em algum ponto entre os princípios gerais e a realidade.


Portanto, julgar por equidade não significa agir de forma contrária às leis, mas sim se utilizar, como norte, da mesma fonte utilizada para a criação dos dispositivos legais. A equidade, então, não nega, nem contraria a lei, mas busca superá-la. E essa superação se dá através do próprio espírito que a lei (mens legis) guarda em si.


Deste modo, o juízo de equidade pode ser entendido como um ramo da justiça reparadora, que, através do senso ético e moral, é capaz de produzir o Direito no dia a dia, resolvendo impasses e promovendo a paz social. Aliás, a promoção da paz social é a função das Câmaras Arbitrais, e, consequentemente, a principal missão de um juiz privado.

 
 
 

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